Richard III & Anne Neville: uma história de amor?

agosto 09, 2015 , , 0 Comments




Durante séculos, os estudos sobre o último casal Plantageneta fora instigado através de obras do período Tudor, retratando os reis York (em especial nosso querido Richard III, derrotado na Guerra Civil que dera a coroa a Henry VII) de forma demoniacamente irônica. Entretanto, com o advento dos estudos modernos e contemporâneos surgiram imagens diferenciadas e humanizadas sobre o monarca, tornando-se comum romances retratarem a história de seu suposto "apaixonado" casamento. Mas essa teoria é plausível? Na nossa opinião Richard realmente teve um casamento feliz?

Sim, ele teve.

E, a propósito, Richard também não tinha um braço murcho, não era tão corcunda que possuía um calombo gigantesco nas costas e muito menos fora gerido durante dois anos no ventre de sua mãe. Estas descrições físicas são os produtos da propaganda Tudor, a maioria das quais nenhuma pessoa racional, pelo menos hoje dia, daria crédito, porém, a aparência horripilante e até mesmo o braço inútil parece ter ficado com a gente, proporcionando a imagem de uma criatura tenebrosa. Entretanto, a verdade parece ser que Richard tivera um ombro (o esquerdo) um pouco maior que o outro devido um caso comum de desvio na coluna, sendo franzino como o menino que era em contraste com o seu belo irmão George, duque de Clarence, um carismático, ou o seu irmão mais velho, Edward IV, um educado bon vivant e fashionista (até a segurança do emprego após 1471 supostamente o transformar em uma figura supostamente relaxada e mulherenga).


Interpretação do encontro segundo Shakespeare.
Richard, de fato, superou sua fragilidade de menino mais novo se destacando nas atividades viris habituais da época como: equitação, falcoaria, equitação, e dança. Tornou-se um cavaleiro  exemplar, capaz de atrair uma dama aos seus encantos. 

Mas voltando ao casamento. No Ato I sc.ii de Ricardo III de Shakespeare, o nosso protagonista, então Richard Duque de Gloucester, corteja a viúva Anne Neville de forma extremamente repulsiva. O encontro tem lugar em uma rua de Londres, no meio do cortejo fúnebre. Anne era a filha mais nova de Richard Neville, Conde de Warwick, conhecido como "o fazedor de reis" devido os seus talentos estratégicos (e marciais) ao garantir o trono de Inglaterra para o então usurpador da Casa de York Eduardo IV e em seguida, apoiando o homem que tinha deposto, o Lancastriano Henrique VI (pois é, não estava fácil para ninguém). A irmã mais velha de Anne, Isabel (ou Isobel) contra a vontade do rei Eduardo IV casou-se com George, duque de Clarence, irmão de Eduardo IV e nosso em questão Richard, duque de Gloucester.

Na cena do cortejo de Shakespeare, Anne recentemente havia perdido seu marido, o príncipe Edward (o ex-príncipe de Gales), filho do deposto (e posteriormente assassinado) Henry VI. Ele caíra na batalha de Tewksbury em 14 de maio de 1471, que dizimou as forças de Lancaster, dando início a anos de supremacia York.

Na peça é Richard quem o esfaqueara pessoalmente até a sua morte. Portanto, sabe-se que durante a batalha Edward fora esfaqueado mas a identidade do homem que entregou o golpe fatal permanece desconhecida. 

Anne com seus dois maridos, Edward e Richard.
Ao invés de Richard, o falecido Príncipe Edward é descrito como nobre e virtuoso. Entretanto, grande parte dos historiados modernos defendem o verdadeiro Edward de Lancaster como um garoto arrogante de 16 anos de idade. Ele e Anne (nascida em 11 de junho de 1456) casaram-se em 13 de dezembro de 1470 com a idade de 14: casamento puramente dinástico.
Voltando a sua famosa cena de cortejo em Richard III, Anne não poupa adjetivos para o seu perseguidor: "demônio", "ministro terrível do inferno", "diabo", "infecção mortal de um homem", "escravo diabólico", " porco ouriçado, e" homicida ". Eu acho que o meu favorito é "infecção mortal de um homem", embora "porco ouriçado" vem em segundo lugar. O símbolo de Richard era o javali, talvez por isso esta é uma das piadas finais, uma torção deliberadamente mal-intencionada que reduz uma criatura nobre para um animal desprezível. 

Mas tudo isso é pura fantasia.

A Inglaterra estava mais ou menos envolvida em guerra civil quando Richard era um menino, graças a rivalidade perpetua entre as Casas de Lancaster e York. Ele foi enviado para fora de risco, sendo tutelado pela família de Warwick em Middleham, Yorkshire propriedade do conde. Richard e Anne foram companheiros de infância, e como tal, sempre conviveram amigavelmente um com o outro.

Em 1470, o reinado do irmão mais velho de Richard, Edward IV, estava sendo desafiado por uma conspiração para restabelecer Henrique VI, fomentada por ninguém menos que seu próprio irmão, o duque de Clarence cuja sementinha do mal plantada pelo seu sogro, Conde de Clarence o fez acreditar que seria coroado.
Vitral com a imagem de Richard e Anne.

Richard, ainda no final da adolescência fora dirigido para comandar e garantir o norte para seu irmão Eduardo tendo em troca a permissão para casar com Lady Anne Neville. Quando voltou do norte para reivindicar sua noiva, ele descobriu que Clarence, cunhado de Anne tinha decidido que esta seria a sua aia  (Warwick havia sido morto na batalha de Barnet no domingo de Páscoa, deixando o status da menina como órfã aos cuidados da irmã mais velha). Ele reivindicara a parte da herança de Anne e Isabel para si e portanto não tinha vontade de vê-la casada, mesmo com seu próprio irmão mais novo.  
Na verdade, é Clarence o vilão desta parte específica da história. Ele jurou de pés juntos que Anne não estava em sua casa. Depois de uma exaustiva pesquisa, Richard encontrou sua noiva em Londres, disfarçada de ajudante de cozinha na casa de um dos amigos de Clarence e como um verdadeiro herói romântico, ele a resgatou e a trouxe ao santuário de St. Martin le Grand, protegendo-a assim de quaisquer esforços por parte de Clarence e seus adeptos de prende-la ou prejudicá-la. Ele mostrou para ela seu cavalheirismo sem limites e seguiram em frente com aquele casamento.

Insistindo que ele era o guardião da menina após a morte de seu pai, Clarence consentiu em permitir a boda mas com a condição de que o noivo não herdaria nenhuma de suas propriedades.

Anne e Richard eram primos e a fim de se casarem oficialmente era necessária uma dispensa papal com vista a sua consanguinidade. Mas ele era muito impaciente para esperar a papelada do Papa chegar. Em vez disso, em 14 de maio 1472, com a conveniência política sendo tão urgente como a paixão, ele aclamou sua amada em St. Martin le Grand e eles se casaram no local. A noiva estava um mês antes de seu aniversário de 16 anos. Por sua vez o noivo tinha 19 anos (ele já tinha pai de dois filhos bastardos que postarei sobre no futuro).


A coração do casal em The White Queen (2013).

O casal - que realmente se amava, pelo menos de acordo com o conceituado biógrafo e historiador do século XX, Paul Murray Kendall - imediatamente partiu para o Castelo Wensleydale longe de qualquer de seus parentes problemáticos (com o uso de minha licença poética para o termo, por favor). Eles tiveram apenas um filho também chamado Eduardo nascido em 1473, cuja saúde foi sempre delicada e muitas vezes a impedia de viajar com seus pais. Ele foi investido como príncipe de Gales em 08 de setembro de 1483, mas morreu durante a primavera de 1484 com a idade de 11. Richard e Anne estavam inconsoláveis, e foi dito que a morte do rapaz apressou a própria morte da mãe.

Ao contrário da trama de Shakespeare, em que Richard é suspeito de envenenar Anne a fim de casar com sua sobrinha, Elizabeth de York, acredita-se hoje que Anne tenha sofrido de um tipo de tuberculose, a mesma doença que matou sua irmã mais velha Isabel (sim, ela não fora envenenada por Elizabeth Woodville, ok Phillipa Gregory?). Sofrendo já pela dor e pela doença ela morreu no dia 16 de março de 1485, um pouco mais de cinco meses antes de Richard conhecer a ponta da espada que o matou no campo de Bosworth em 22 de agosto.

Richard ainda permanece um enigma para nós, um produto da violência de sua época; um irmão leal e administrador talentoso, mas, sem dúvida, com sangue em suas mãos. Em defesa Shakespeare: ele baseou sua peça na história escrita por cronistas Tudor como Edward Hall, Raphael Holinshed, e Thomas More. O Bardo de Avon era de fato uma sátira da vida de Richard, sendo lançado muito séculos antes do 16, quando a propaganda Tudor teria explodido. E ainda há testemunhas suficientes que observaram a conduta de Richard e confirmaram que ele era de fato um homem sem escrúpulos em relação a suas vontades, e existem inúmeros relatos ainda existentes que o apontam como um homem ambicioso e calculista como qualquer um de seus adversários, irmãos, sogro e o próprio Henrique VII.

 Entretanto... Teve um casamento feliz. O "tenebroso" Richard III. Quem iria pensar nisso?

Bibliografia:
CARROW, Leslie: http://historyhoydens.blogspot.com.br/2009/11/richard-iii-anne-neville-love-story.html







0 comentários: